quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Princípios e Descontinuidades Estratigráficas

   Os problemas centrais da Estratigrafia são temporais e espaciais e envolvem o reconhecimento da sucessão local de camadas e a correlação de cortes geológicos. Para isso, abrange-se cada vez mais áreas vastas, de modo a ordenar os corpos líticos e acontecimentos e a elaborar um coluna estratigráfica válida mundialmente, sendo necessário criar sistemas de referência (escalas estratigráficas) para estabelecer uma cronologia.

  A cronologia dos acontecimentos pode ser feita através de processos de Datação Isotópica ou Radiométrica ou de Datação Relativa. No último caso baseamo-nos nos denominados Princípios Fundamentais da Estratigrafia, que são fundamentais na construção da Estratigrafia, apesar de não nos permitirem determinar um valor numérico para a idade da Terra nem dos seus materiais constituintes. Os princípios apoiam-se na posição relativa dos estratos, permitindo apenas estabelecer relações entre os seus diferentes constituintes.



  • Princípio do Uniformitarismo (actualismo)
   O presente é a chave do passado, considerando que os processos que aconteceram ao longo da história da Terra foram uniformes (uniformismo) e semelhantes aos que acontecem actualmente (actualismo).
Marcas de ondulação numa praia, actualmente.


Marcas de ondulação antigas registadas numa rocha.
  A problemática da aplicação deste principio é que a Terra está em evolução permanente: mudanças na composição da atmosfera e água, deriva continental e expansão oceânica, variação na velocidade de rotação da Terra, mudanças no campo magnético,  fenómenos cósmicos, evolução das condições de vida de alguns organismos.
  • Princípio da Identidade Paleontológica
 Este principio diz-nos que os estratos com o mesmo conteúdo fossilífero são da mesma idade, o que nos permite estabelecer correlações entre materiais da uma mesma idade mas de contextos geográficos muito distantes, devido a que muitos organismos tiveram uma distribuição geográfica praticamente mundial. São considerados bons fósseis a aplicar neste principio os fósseis estratigráficos ou fósseis característicos, mais conhecidos por fósseis de idade, pois estes são caracterizados por ter uma rápida evolução,ou seja, curta longevidade, vasta repartição geográfica, ocorrência frequente e identificação simples (ex: Amonites e Trilobites).


Esquema do princípio da identidade paleontológica.
  • Princípio da Sobreposição
  Toda a camada sobreposta a outra em condições normais, ou seja, sem inversão tectónica, é mais recente do que ela. Para estabelecer a ordem é necessário recorrer a alguns critérios de polaridade: organismos em posição de vida, marcas de raízes, icnofósseis, granotriagem, figuras geopéticas, figuras sedimentares, análise microtectónica, etc.

  Existem excepções a este principio, tais como:
Excepções ao principio da Sobreposição (adaptado de Cottilon, 1988).
A-Terraços aluviais. Ordem de formação: 1, 2 e 3 (mais recente). 
B-Depósitos em cavidades cársicas. Ordem de formação: 1, mais antigas,e 2, mais recente. 
C-Filões que intersectam unidades sedimentares. Ordem de formação: 1, mais antigo.
  • Princípio da Continuidade lateral e Horizontalidade original
  Uma camada tem a mesma idade em todos os seus pontos, pois no momento da sua deposição, estes pontos, são horizontais e paralelos à superfície de deposição (horizontalidade original). Delimitada por planos que mostram a continuidade lateral, a aplicação deste principio conduziu à ideia actual que considera como isócronas as superfícies de estratificação (limites inferior e superior de uma camada).


Correlação de estratos distanciados lateralmente.

  Este principio mostra-se importante porque permite correlacionar observações praticadas em locais diferentes, completando o princípio da sobreposição, na medida em que possibilita a extensão lateral das observações na mesma bacia sedimentar.  Contudo, e apesar de ser válido à escala local ou mesmo regional, também existem dificuldades presentes na sua aplicação, estas são sobretudo em regiões de climas húmidos ou muito urbanizadas.

  • Princípio da Intersecção
  Toda a unidade geológica que intersecta outra é-lhe posterior. Este principio aplica-se a falhas, filões, superfícies de erosão, batólitos ígneas.

Intersecção de filões, Madeira.


  • Principio da Inclusão
  Se um clasto de uma rocha A está incluído noutra rocha B então a rocha B é mais recente do que a A. São exemplos deste principio os conglomerados e brechas, em que os grãos presentes são mais antigos que o cimento que os une.

Conglomerado, Setúbal
  • Princípio da Simultaneidade de Eventos
   Este principio aceita que no passado, na natureza, ocorreram "fenómenos normais como os que vemos actualmente, mas também ocorreram outros mais raros, que coincidem maioritariamente com grandes catástrofes. Estes eventos, como mudanças bruscas climáticas, alterações do campo magnético terrestre, grandes terramotos, grandes erupções, etc., podem estar referenciados em estratos de localidades muito diferentes e constituem um excelente critério de correlação, por vezes até mesmo à escala mundial.









  Mesmo quando uma sucessão litológica é homogénea (contínua), quase nunca representa uma acumulação ininterrupta de sedimentos, por isso mesmo, as descontinuidades são quase sempre perceptíveis ainda que com valor (ausência de depósito, erosão, dissolução diagenética) e materialização (simples junta de estratificação, superfície de ravinamento, mudança litológica, discordância angular) muito diferentes.
  
   A correspondente duração da ausência de depósitos pode ter valores muito diferentes:
  • Hiato: duração é muito curta (às vezes utilizado em sentido lato, sempre que se detecta ausência de deposição). 
  • Diastema: corresponde a uma interrupção curta, sem modificação nas condições de sedimentação (coincide, aproximadamente com junta de estratificação). 
  • Lacuna: quando a duração é apreciável e pode ser avaliada biostratigraficamente (ex: lacuna de uma biozona).


  Assim, uma descontinuidade é o contacto ou limite entre as unidades litoestratigráficas, marcada por um significativo hiato, período no qual não houve deposição. A sua classificação pode ser feita como:
  • Descontinuidades Sedimentares: ocorrem entre duas lâminas correspondentes a marés sucessivas, e correspondem a um intervalo de tempo muito curto. A sua extensão pode ser de métrica a decamétrica, podendo corresponder a descontinuidade passiva, simples ausência de deposição, ou a descontinuidade erosiva, destruição parcial ou total da lâmina anterior. 
  • Descontinuidades Estratigráficas: quando duas unidades são separadas por um intervalo de tempo considerável, por exemplo a ausência de uma biozona. Muitas vezes esta lacuna estende-se por dezenas de quilómetros.
  • Descontinuidades Diastróficas: à ausência de determinada unidade geológica se junta deformação tectónica (discordância angular).



  Em relação ás manifestações das descontinuidades, estas podem ser dadas pelos diferentes contactos entre as unidades litológicas:

Estratigráfico Normal
  1. Concordante - Sempre que há continuidade entre unidades sucessivas.
  2. Paraconformidade - Não há diferença de atitude entre unidades sobrepostas ainda que, às vezes, faltem diversos conjuntos líticos; é comum faltarem depósitos correspondentes a vários milhões de anos (ex: contacto entre o Cretácico inferior e o Miocénico inferior na praia do Canavial, Lagos).
IntrusivoQuando um corpo ígneo atravessa outros corpos líticos.

Discordante
  1. Não conformidade ou discordância heterolítica - Contacto entre um conjunto sedimentar e um corpo ígneo ou conjunto metamórfico mais antigo.
  2. Disconformidade - As camadas são paralelas de um e de outro lado da superfície mas esta não é conforme com a estratificação.
  3. Discordância progressiva - Quando os diversos níveis vão fazendo ângulos progressivamente diferentes com o substrato.
  4. Discordância angular - As inclinações do conjunto inferior e superior são diferentes, fazendo um ângulo entre si. Geralmente a sequência inferior está inclinada,  devido a factores tectónicos ocorridos antes da deposição da sequência seguinte.
  1. Falha
  2. Deslizamento
  


  Relativamente à forma como os depósitos sedimentares se dispõem sobre cada substrato após cada discordância, pode classificar-se em:
  • Recobrimento transgressivo (“onlap”) - As camadas sedimentares estendem-se progressivamente, para o exterior da bacia. Cada camada ultrapassa a precedente que se vai biselando.
  • Recobrimento regressivo (“offlap”) - As camadas sedimentares vão-se retraindo progressivamente, afastando-se do bordo da bacia.





Bibliografia:
  • POPP, José Henrique (1987). Introdução ao estudo da ESTRATIGRAFIA e da interpretação de AMBIENTES DE SEDIMENTAÇÃO. Scientia et Labor - Editora da UFPR.
  • "Princípios fundamentais da Estratigrafia" por João Pais, UNL.
  • "Descontinuides sedimentares e contactos entre unidades litológicas" por João Pais, UNL.
  • PDF (HENRIQUES, Maria Helena Paiva (2002). Estratigrafia: Fundamentos da Estratigrafia; Departamento de Ciências da Terra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra.);
  • Retirado de Wikipédia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Descontinuidade, em 06.10.2010;
  • Retirado de http://sites.google.com/site/geologiaebiologia/biologia-e-geologia-10%C2%BA/a-geologia-os-geologos-e-os-seus-metodos/datacao-relativa em 06.10.2010;
  • Apontamentos tirados nas Aulas de Estratigrafia e Paleontologia leccionadas pelo professor Paulo Legoinha, FCT- UNL.
  • Foto da intersecção de filões por Ana Gomes, em 31.08.2010.

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